sábado, 24 de setembro de 2011

A canção do cinzel

Toc, toc, toc...

Pensamos que fosse a velha canção do valente pica pau, à procura de alimento no cerne escuro dos troncos sombrios ou mesmo na busca de uma morada aconchegante para zelar de seus sonhos de pureza.

Sempre nos confundimos nos paradigmas. Não, não era um pica pau, era sim a melodia do cinzel, tocada por mãos de amor ao batuque do ousado martelinho, a modelar tudo e todos, transformando-nos, pedras brutas em cristais diáfanos!

Viajando pela estrada dos enigmas insondáveis à velocidade estonteante, tendo o Almo como maestro, pisamos no freio. À proporção que diminuímos o ritmo, nós, a luz, concretizamos a idealização dos seres, das coisas, das pedras.

Como é linda a luz somatizada, são gotas de mistérios!

Aos olhos supremos, o tempo simplesmente não existe, mas à nossa vista, viajores dos quasares, é o movimento transformador, tornando este nosso universo sempre impermanente e nós, quedos, testemunhamos o passar de tudo, de tudo acontecer, tudo metamorfosear, dentro do passado, do presente, do futuro.

Como é bom sonhar, como é lindo viver...

Vivenciamos o cálido verão, provamos frutos das lindas colheitas de outono, recolhemo-nos nos agasalhos e nas lareiras do introspectivo inverno, extasiamo-nos nos aromas das mais belas flores da primavera... e sempre, sempre ouvindo o toc toc sem parar da melodia do cinzel em nosso âmago e na alma das coisas. Estamos sendo lapidados, precisamos voltar a nós, à luz, à vida, de onde nunca estivemos separados.

Quantos paradoxos!

Não somos sombras nem projeções, nem mayas e nem ilusões escondidas nos hologramas ou em fórmulas científicas. Somos filhos do Amor, filhos do Grande Mistério, somos filhos de nossa Alma, de nossa presença divina.

É-nos urgente e necessária esta cirurgia, esta lapidação, a qual soa numa mesclagem de dor e de alegria: dor porque pedaços de nós estão sendo arrancados a cada martelada pelo mágico cinzel, e alegria porque se desponta um pedaço de um iceberg de empatia com a Fonte de tudo. Por isto, estamos derramando lágrimas de alegrias numa alternância de dor, alívio, impaciência e esperança...

A cada nota do cinzel despenca um pedaço de nosso orgulho, um naco de nosso egoísmo, uma fatia de nossa vaidade.

Sentimos nossas escuridões sendo iluminadas, nossas imperfeições sendo purificadas, nossas complicações sendo simplificadas.

Confundimos, ainda, o estar agonizante com o estar convalescente desta divina cirurgia, desta abençoada operação a que estamos sendo submetidos pelas mãos sábias e amorosas. Ainda não sei quem deseja mais o final desta doce tortura, se somos nós ou se são estes incansáveis lapidadores, trabalhadores de cinzel.

Sabemos que o verdadeiro mestre faz com que nos sentimos desconfortáveis em virtude de nossa cegueira às verdades, pois ele é o artífice na moldagem de sua obra, é ele o regente do cinzel a burilar nós, diamantes brutos.

Depois de um certo tempo, rendemo-nos a Ele e resolvemos colaborar em sua obra secreta: passamos a trabalhar consciente e conjuntamente. Permitimo-nos em deixar ir o passado, passado é passado: são cinzas. Quem vive o passado no presente não constrói futuro. Estamos neutralizando o maior destruidor de relacionamentos, o ciúme, o que é uma verdadeira obstrução à cooperação, à interação. Estamos também deletando a vaidade ao conscientizarmo-nos de que não sabemos tudo, sabemos muito pouco de quase nada. Um dos principais enfoques deste belo trabalho conjunto com o mestre artífice é a nossa auto-observação. Ao observarmo-nos, a purificação lentamente começa a acontecer como um passe de mágica. Finalmente, estamos trabalhando a meditação, a qual com certeza queima lembranças do passado, não permitindo que nossa consciência seja inundada por lixos oriundos de nossos conflitos pretéritos, além de promover uma abertura à integração com a Fonte.

Esta operação, inicialmente executada pelo mestre artífice, depois de um lampejo, um trabalho conjunto, um trabalho mais profundo, passamos a acreditar que devemos, sim, sarar as raízes de uma árvore e não suas folhas, quando doentes.

Estamos felizes. Vencemos um pouco de nós.

Sabemos que a força e o poder estão na pureza, porém não estamos buscando a pureza em nome da vaidade, estamos nos buscando, estamos voltando a nós próprios, estamos trazendo o céu à Terra!

Sempre acontecerá o toc toc encantador, a canção do cinzel, sempre existirão diamantes brutos, sempre existirão diamantes lapidados a refletir nossa alma, o amor, a luz, pois o fluxo e o refluxo do universo são constantes, onde chegamos a confundir a pedra bruta, o diamante lapidado, o martelinho e o cinzel... pois tudo é Ele, numa mágica divina!

Continuamos a ouvir toc toc toc...

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