sábado, 24 de setembro de 2011

O silêncio de uma voz

Com os braços e pés cravados em uma cruz, lá estava eu, taciturno e pensativo. Oh! Como é triste o Gólgota!

Comecei a conversar comigo, num monólogo cheio de sussurros, no silêncio de uma voz...

Quem está pregado nesta cruz? O Jesus de Belém, o Jesus da Galiléia? O Lázaro? O Sermão da montanha ou as pedras não jogadas em Maria, de Magdala?

Não, minha irmã humanidade. Seus medos, suas fraquezas, suas inseguranças, suas revoltas de todas as horas e suas incertezas necessitavam de um mártir, para morrer.

Confundiram-me com um guerrilheiro, prestes a tomar seus poderes mundanos. Esqueceram de que nada se toma, tudo se conquista, para o bem comum.

Sempre eu disse que meu reino não é deste mundo. Eu sou e sempre fui o andarilho a procura de almas desgarradas.

Em intervalos de dores sanguinolentas, lembrava de minha infância: como era alegre, como ria dos milagres que aconteciam! Fui muito brincalhão...

Entrei em minha juventude com o mesmo estado de ânimo. Fui conviver monastericamente com nossos amados essênios. Lembrei-me de mamãe, papai, meus irmãos, meus apóstolos, de Maria de Magdala, meus companheiros de rua, os mendigos, paralíticos, doentes de toda sorte, os quais viam em mim uma esperança!

Amo o Lázaro. Lembro-me perfeitamente e com lucidez quando eu lhe pedi: - levante e ande, Lázaro! Ele acordou assustado e começou a andar. Demorou a ver o que estava acontecendo. Grande alma!

Amo das profundezas do meu ser o querido João Batista. Lembro-me quando ele me batizou no rio Jordão. Em outro momento, quando vi sua cabeça numa bandeja, não tive outra opção a não ser colocar o meu coração no lugar...

Iscariotes? Claro! Estou me lembrando dele. Bons momentos em que juntos passamos. Ele não teve culpas, apenas se distraiu com as ilusões deste mundo. Não tenho nada a lhe perdoar, pois nunca me sinto ofendido. Ele continua sendo meu irmão, irmão da humanidade!

No suplício em que me encontrava, lembranças em formas de filmes aconteciam em minha mente.

Parei de pensar por um momento. Não estava preocupado com as dores físicas. Elas são físicas, são passageiras como vento...

Com o corpo dependurado pelas mãos perfuradas, senti uma tremenda falta de ar, mesmo assim, pude agradecer, com um olhar perdido ao meu inesquecível amigo Cirineu. Oh Cirineu, como foi bom você carregar esta cruz pesada por alguns instantes. Senti um alívio inefável em meus ombros desfalecidos!

Minha falta de ar aumentava celeremente. Tive vontade de gritar, mas minha voz não saía: - Irmã humanidade, acorde deste sono sem sonhos, cercado de apegos, perfídias e fariseus por todos os lados. Venha, siga-me, vamos para Deus, para a bem aventurança. Ficou só no pensamento. A voz não aconteceu.

As lágrimas com sabor de sangue e suor que estou derramando são os símbolos de meu grito sufocante.

Papai e eu somos carpinteiros. Sempre trabalhamos as madeiras para viver, mas nunca fizemos cruzes para morrer!

Recordei-me, também, do irmão Pilatos, o qual lavou suas mãos por não ver pecados, fazendo da omissão uma forma de justiça. Espero que a mesma água usada sirva para a ablução de sua alma inquieta.

Lembranças todas vindas desordenadas numa alternância de dor.

Esqueceram de quebrar minhas pernas, como era o costume. Não sofri nenhum ferimento fatal.

Com o corpo diáfano, mas nunca um apóstada, estava ali ora com sede, ora com frio, frio da morte que me espreitava.

Um irmão essênio, uma alma nobre, um andarilho anônimo, ofereceu-me soma, como se fosse água pura para matar a sede. Senti-me desfalecer para poder viver...

Antes do suspiro derradeiro, por milagre, uma frase foi solta no ar: - Eli Eli lama Sabachtani. Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?

Como os braços abertos em sinal da cruz, amparados pela madeira fria, lá estava eu, agonizante, o carpinteiro Jesus. No meio do meu peito, no centro da cruz, estava Cristo em forma de uma rosa, formando a união, a redenção, a rosa-cruz!

A partir do desabafo pelo triste abandono em que me sentia, deixei de ser Jesus, passei a ser Cristo. Nunca estive ausente, apenas as portas estavam emperradas, difíceis de serem abertas!

Quando me puseram na cruz, eu me chamava Jesus. Quando me tiraram, passei a me chamar Cristo. Após três dias que havia ingerido soma, o efeito passou, saí, fui visitar Jerusalém, Belém, Galiléia e nunca mais parei. Há um pouco mais de 2.000 anos que estou batendo de porta em porta. Tenho tido alguns sucessos. Abra seu coração, eu preciso ser convidado para entrar. Se você quiser me conhecer melhor, tenho todo tempo do mundo. Procuro nunca incomodar vocês, pois sou muito silencioso, tenho cheiro bom, estou a sua disposição 24 horas por dia. Tenho vários nomes, uns me chamam de Cristo, outros de Anjo da guarda, mas se quiser, pode me chamar de Amor...

Irmã humanidade, deixe de ser Jesus, pare de sofrer, permita que Cristo, a presença divina em vocês, assuma sua vida! Isto pode soar mal, isto de dizer deixar de ser Jesus, mas Jesus, da mesma forma que você, sempre foi a pedra no caminho, o obstáculo de Cristo.

Retire-se do caminho, permitindo que Cristo assuma o comando de sua vida. Somente assim terá condições de trazer o céu à terra. Somente assim terá condição de provar o nirvana, provar do mundo, sem deixar o mundo.

Portanto, os problemas não deixarão de existir, vocês deixarão de existir para ele. É como uma sombra que passa pelo fogo ou pela água, não se queimarão, não se afogarão. As pegadas deixadas não serão as suas, serão de quem estiver carregando vocês...

Isto não é utopia. Ouse este milagre da transformação!

Deixemos de ser Jesus, deixemos de ser quem somos. Precisamos ser Cristo. Ele nunca esteve separado de nós... a porta do coração precisa ser aberta. Você irá notar que foi Cristo quem sempre te procurou, mesmo você achando que a ele procurava.

O maior de todos os milagres é quando permitimos ser o

Amor!

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